Fuçar

terça-feira, 22 de maio de 2007

O beija-flor e o peludo.


6:30 marcava o único relógio da casa, que convenientemente se encontrava em seu quarto, mais precisamente ao lado direito da cabeceira de sua cama. Isto para evitar que perdesse o horário, o que mesmo com o despertador era difícil de não ocorrer.
As 6:45 o relógio despertou. Estapeou-o como era de costume e esse por sua vez insistiu em cumprir sua tarefa e gritou por longos 5 minutos, tempo suficiente para que ele perdesse o sono, ou melhor, a vontade de dormir.
As 6:50 estava de pé em direção ao banheiro, ao cruzar a janela do corredor avistou ao longe um beija-flor, fato incomum, até raro naquela metrópole. Ficou estaqueado perante a janela, ou melhor, perante a beleza do pássaro, que como um helicóptero americano de última geração ficava como que uma estátua viva sustentada apenas pela espessa camada de poluição que pairava sobre a cidade. Naquele instante lembrou-se apenas das lições que aprendera assistindo ao desenho do capitão planeta, e que parara de praticar a muitos anos, ficou triste.
7 horas, e a única coisa que pensava era no lindo beija-flor.
Dentro do segundo ônibus necessário para chegar ao trabalho, mais precisamente as 7:33, tomou uma decisão, talvez a decisão mais importante de sua vida: juntar-se ao beija-flor!
Pensava que seria mais feliz se compartilhasse uma vida tão pura e livre quanto a do pássaro, mas deixou uma coisa clara a si mesmo, não enfiaria o nariz dentro de flor alguma. Não porque não quisesse, mas sim pela alergia que fazia parte de sua vida desde menino.
Tinha o nariz um tanto quanto avantajado, fato que lhe rendera alguns apelidos na infância, e um deles qual era? Isso, beija-flor, ficou feliz pelo seu nariz...
Penas? Impossível! Era muito peludo, talvez devesse escolher algum animal da família dos primatas. Não! Queria ser um beija-flor.
8:17, chegou ao destino, mas não com o intuito de trabalhar, mas sim de se juntar ao beija-flor.
Subiu direto ao 13º andar, nada de especial apenas gostava do número. Era uma central de telemarketing. Ele caminhou por entre essas senhoras e senhores muitíssimos simpáticos até uma porta que supunha ser um escritório, seu comportamento seria normal se não fosse pelo largo sorriso que estampava seu rosto peludo.
Um senhor careca estava sentado à mesa, digitando algo em seu computador, talvez alguma mala direta dizendo o quanto somos importantes para sua empresa.
Com toda a educação adquirida ao longo de 24 anos e 7 meses, pediu licença ao senhor careca que ligeiramente lembrava o padeiro da padaria perto de sua casa e aproximou-se da pequena varanda que dava para um céu de liberdade. Só pensava em ser livre como o beija-flor, e das lições aprendidas com o capitão planeta. O senhor careca, assustado, perguntou que tipo de desparate ele pretendia fazer, e ele respondeu simplesmente que iria voar.
Subiu na mureta e por um instante pensou em gritar: -Vaaaai planetaaa! Mas achou que seria muita pretensão. Ou muito cafona?!
Então exatamente as 8:28 simplesmente atirou seu corpo numa imensidão de barulhos automotivos e poluentes gasosos que durante uma breve eternidade de 7 segundos tornou-se o cenário perfeito do paraíso. Sentiu-se tão livre, mas tão livre que... as palavras não puderam descrever.
Ao fim desses 7 lindos segundos seu corpo peludo espatifou-se contra o chão, e em uma cena trágica as pessoas pararam para ver o mais nova notícia dos jornais, porque afinal de contas, quem não gosta de conhecer uma celebridade?! A multidão juntou-se como formigas em volta do caramelo da maçã do amor, e a curiosidade que antes matará o gato, matou também um menino que foi atropelado por um motorista curioso.
Murmurinhos começaram a surgir em volta do cadáver que era estranho tanto pelo sorriso que trazia consigo, quanto pela espessa camada de pelos que cobria seu corpo morto.
As pessoas discutiam entre si que horrível razão levaria uma pessoa a se jogar do 13º andar de um prédio.
-Será que perdeu a namorada?
-Será que perdeu o emprego?
-Será que estava doente?
Entre tantos serás, um estava certo.
-Será que achou que podia voar? Coitado, achou errado!
Mais do que depressa o senhor careca, aquele parecido com o padeiro, respondeu: - A julgar pelo sorriso do garoto quando passou pela minha sala e por este estampado em sua cara quebrada, deduzo que conseguiu o que queria, acho que voou por longos 7 segundos.

...

Alguns dizem que ele levou somente 7 segundos para espatifar-se contra o chão, eu prefiro acreditar que ele voou por eternos 7 segundos.


VOAR OU SER FELIZ É APENAS UMA QUESTÃO DE PONTO DE VISTA...


P.S.: O beija-flor era de plástico.


André de Moura

5 comentários:

Bárbara disse...

Realmente..

A vida tem várias direções e interpretações.

E quem somos nós pra julgar as interpretações e sonhos alheios.

À quem goste de sofrer dores todos os dias...
Ter hematomas por todo corpo..
E ficar batendo e rebatendo parte extremas do corpo.
Submeter o seu íntimo...seu corpo..
a espiações..e conclusões alheias.
Pra alguns isso é loucura!

Pra mim...é viver.

"-Será que eu estou doente?"

André disse...

Doente nada...Submeter-se ao que gosta é o que a de melhor, por mais sofrido que seja...
Tá certíssima!!

Bárbara disse...

¬¬

Comentário superficial...

young vapire luke lestat disse...

Cara não tenho o que dizer, estou extasiado com seu conto.
É maravilhoso, perfeito. Adorei e adorei.
Continue escrevendo sempre, vc é muito bom nisso.

Voltarei sempre aqui.

abs: L.Sakssida

Diego Moretto disse...

Rapz, loucura seu texto heim. Tbm acho que tudo é uma questão de interpretações, cada um com a sua. Foi muito a bela a sua do motivo pelo qual o peludo pulou do prédio. massa mesmo.

Tbm vim agradecer pelo post, desculpa a demora, mas agora só posso responder fds, quando to em casa. abs e volte mais lá ok?